Salmos 22:1-30
1Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste? Por que estás tão longe de salvar-me, tão longe dos meus gritos de angústia?
2Meu Deus! Eu clamo de dia, mas não respondes; de noite, e não recebo alívio!
3Tu, porém, és o Santo, és rei, és o louvor de Israel.
4Em ti os nossos antepassados puseram a sua confiança; confiaram, e os livraste.
5Clamaram a ti, e foram libertos; em ti confiaram, e não se decepcionaram.
6Mas eu sou verme, e não homem, motivo de zombaria e objeto de desprezo do povo.
7Caçoam de mim todos os que me veem; balançando a cabeça, lançam insultos contra mim, dizendo:
8"Recorra ao Senhor! Que o Senhor o liberte! Que ele o livre, já que lhe quer bem!"
9Contudo, tu mesmo me tiraste do ventre; deste-me segurança junto ao seio de minha mãe.
10Desde que nasci fui entregue a ti; desde o ventre materno és o meu Deus.
11Não fiques distante de mim, pois a angústia está perto e não há ninguém que me socorra.
12Muitos touros me cercam, sim, rodeiam-me os poderosos de Basã.
13Como leão voraz rugindo, escancaram a boca contra mim.
14Como água me derramei, e todos os meus ossos estão desconjuntados. Meu coração se tornou como cera; derreteu-se no meu íntimo.
15Meu vigor secou-se como um caco de barro, e a minha língua gruda no céu da boca; deixaste-me no pó, à beira da morte.
16Cães me rodearam! Um bando de homens maus me cercou! Perfuraram minhas mãos e meus pés.
17Posso contar todos os meus ossos, mas eles me encaram com desprezo.
18Dividiram as minhas roupas entre si, e lançaram sortes pelas minhas vestes.
19Tu, porém, Senhor, não fiques distante! Ó minha força, vem logo em meu socorro!
20Livra-me da espada, livra a minha vida do ataque dos cães.
21Salva-me da boca dos leões, e dos chifres dos bois selvagens. E tu me respondeste.
22Proclamarei o teu nome a meus irmãos; na assembleia te louvarei.
23Louvem-no, vocês que temem o Senhor! Glorifiquem-no, todos vocês, descendentes de Jacó! Tremam diante dele, todos vocês, descendentes de Israel!
24Pois não menosprezou nem repudiou o sofrimento do aflito; não escondeu dele o rosto, mas ouviu o seu grito de socorro.
25De ti vem o tema do meu louvor na grande assembleia; na presença dos que te temem cumprirei os meus votos.
26Os pobres comerão até ficarem satisfeitos; aqueles que buscam o Senhor o louvarão! Que vocês tenham vida longa!
27Todos os confins da terra se lembrarão e se voltarão para o Senhor, e todas as famílias das nações se prostrarão diante dele,
28pois do Senhor é o reino; ele governa as nações.
29Todos os ricos da terra se banquetearão e o adorarão; haverão de ajoelhar-se diante dele todos os que descem ao pó, cuja vida se esvai.
30A posteridade o servirá; gerações futuras ouvirão falar do Senhor, 31e a um povo que ainda não nasceu proclamarão seus feitos de justiça, pois ele agiu poderosamente.
O Salmo 22, uma passagem bíblica vívida e comovente, desvela-se diante de nós como uma confissão abissal e uma premonição que transcende a próprio tempo do seu surgimento. À primeira vista, ela nos conduz pelas vielas angustiantes da dor humana, do desespero que é tanto físico quanto espiritual.
O autor, tradicionalmente atribuído ao Rei Davi, partilha com uma crueza quase insuportável a experiência da desolação, do abandono. Nesse intrincado e doloroso caminho, onde a fé e o desalento dançam uma valsa trágica, somos levados a visitar recônditos do espírito humano que clamam por alívio e redenção.
O texto não permanece somente nas sombras da aflição. Surge, no entanto, um amanhecer de esperança, uma reviravolta no drama que se desenrola, onde a fé resiliente encontra sua vindicação. O que começa como um lamento profundo metamorfoseia-se em uma canção de triunfo e gratidão, um testemunho da graça divina que nunca desampara totalmente, que se revela mesmo nas horas mais sombrias.
Esta passagem bíblica serve como um lembrete, uma âncora em tempos turbulentos, um convite à reflexão profunda sobre a dualidade intrínseca da experiência humana, marcada tanto pela dor quanto pela redenção, pela lágrima e pelo sorriso, pelo fim e pelo recomeço.
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